sábado, 10 de abril de 2010

Esse papo seu já está de manha...

Mal saíste porta fora em direcção à noite abafada, dei meia volta e dirigi-me à cozinha. Dos palmiers de canela que te dei a provar, como início da nossa longa noite gastronómica, só sobraram migalhas caídas aqui e acolá ao longo da bancada de mármore. Pus-me a fazer algumas contas de cabeça e conclui que no dia seguinte teria de nadar pelo menos duas horas em mariposa para conseguir queimar o pão de alho. Olhei-me no vidro espelhado do micro ondas e reparei com espanto nos lábios vermelho escarlate que, lembro-me agora, resolvi pintar a meio da nossa conversa, certa de que me daria um ar boémio condizente com a voz do Caetano e o café importado. Pensei para comigo que tinha sido mais uma daquelas noites tão essenciais à nossa saúde mental. Em que nos perdemos numa espécie de improviso, e em que, tal e qual dois actores multifacetados, passamos por todos os géneros possíveis, da comédia ao drama, sendo permitido aos mais atentos ler nalgumas das nossas expressões faciais até um pouco de terror. Abafei uma gargalhada ao lembrar-me: de um lado tu, esbracejante e de olhos muito abertos, a confessares-me como há não muito tempo eras tão louca e agora não sabes bem como, te vês assim tão constantemente aborrecida; do outro lado eu, a lamentar-me do que não fiz, do namorado africano que por pouco não tive e das férias que poderia estar agora a gozar na Galiza. Nós as duas, em voz muito alta e em simultâneo, qual duas chicas Almodovar, encorajadas pelos sucessivos copos de licor...a tentar achar uma causa possível para a falta de agitação dos últimos tempos. E então, o clímax dramático, em que de olhos perdidos num ponto imaginário do sofá, uma de nós se lembra que não faltará muito para que se comece a fazer sentir a força da gravidade e aí é que vão ser elas para arranjar quem nos dê continuidade à genética. (Tontas, que bem sabemos que a resposta para tudo está em não pensar em nada).
Sacudi as migalhas para a mão aberta em concha e deitei-as no lava loiças. Fui deitar-me. Calma e certa de que enquanto a emoção tarda e não vem….ao menos teremos sempre estas noites reconfortantes de chili e panaché.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Volto já

Só por aqui parei para limpar o fundo ao frasco, sacudir o pó das prateleiras e arejar este espaço onde se começava já a sentir o cheiro mofo e a bolachas bolorentas. Num gesto muito parecido ao daquelas pessoas optimistas que gostam de mudar a posição dos móveis, deitar fora as coisas velhas e abrir as janelas de par em par, para que, enquanto cantam um fadinho alegre, o sol entre vadio e se deixe cair nos azulejos frescos. Ou de uma outra forma qualquer, que esta sempre foi uma das minhas imagens de felicidade. Só por cá passei para pôr ordem na casa…estou com muita pressa. E mesmo que não a tivesse só vos podia falar destes dias-sim dias-não de Primavera, mais ou menos parecidos uns aos outros, alternadamente. Em que o ar se enche de doces possibilidades com a mesma intensidade com que se enche de fenos e outras partículas alérgicas esvoaçantes. Não me posso demorar. Nem perder-me ou divagar sobre estes dias me darem tanta vontade de ceder aos pequenos caprichos, às grandes vontades, de fazer o gosto ao dedo e já agora ao resto do corpo. De empreender em grandes aventuras ou render-me a uma preguiça contagiante de olhos perdidos no céu sem nuvens, e outras coisas igualmente poéticas e pirosas. Tenho mesmo de ir... andando. Deixar para outro dia o relato de como tenho gasto estes dias com o prazer sem culpa da gente despreocupada. Uma praia aqui, um gelado acolá, um passeio demorado sem horas para voltar, dizendo não obrigadinha a responsabilidades e obrigações. Talvez seja por isso que…desculpem lá mas não tenho tempo para conversas. Tenho muito que fazer. Ora adeusinho.