segunda-feira, 28 de setembro de 2009

(fuga à) Rotina

E se alguns, numa fase mais turbulenta, andam cabisbaixos e macambúzios, melancólicos até mais não, devido a terríveis quezílias familiares que nos põem a mal com outros e principalmente com nós próprios, tudo por causa de desavenças políticas…outros há que está-me cá a parecer não podiam estar melhor. Falo de uma amiga de cabelos esvoaçantes que flutua pelos corredores da faculdade, alheia, (diz ela) aos olhares sugestivos de certas pessoas, e que, num gesto incompreensível, faz de tudo um pouco para evitar os encontros imediatos com as pessoas certas. No entanto, e se me é possível fazer um reparo, é vê-la ter longas conversas com pessoas com as quais não nos lembraríamos sequer de trocar duas palavras. Mas é assim a minha amiga. Cada um é como cada qual. E qual quê se ela se dá mal com isso. É ver o acaso a trocar-lhe as voltas, o destino, ou como lhe queiram chamar, a fazer-lhe um jeito, as coincidências unidas em torno de um só objectivo: fazer-lhe aquela vontade inconsciente, ou conscientemente ocultada, e ai que chatice lá tem ela de partilhar apontamentos, trabalhos e conversas de ocasião com alguém, aparentemente bastante interessante, que, sabe-se lá porquê, acabou por não desaparecer por um semestre a fim de treinar o seu mandarim. E se isto importa? Sim! Porque todos sabemos como é difícil encontrar um incentivo para nos levantarmos de madrugada, de olhos pequeninos e cabelos desalinhados, despacharmo-nos a custo com a cabeça ainda nalgum sonho mais estranho, esperarmos tempo indeterminado nas paragens, sermos empurrados como gado bovino por entre as portas automáticas dos metropolitanos apinhados de gente, tudo para chegarmos ao mesmo sítio onde inevitavelmente veremos as mesmas pessoas olá-tudo-bem-ta-tudo-e-contigo, e fazermos, com uma outra variante mais louca e inesperada (possível mas muito raro) as mesmas coisas.
E se querem que vos diga hoje até nem foi um mau dia....afinal nem todos se podem gabar de ter comido um empada de porco preto.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Subalternos

Ao que parecia a ordem vinha de cima. De onde, afinal, vêm quase sempre todas as ordens. Mas de cima de onde, perguntei levantando a parte direita do lábio e deixando-a assim durante um bocado para expressar a minha incredulidade e nojo, agravados por cinco horas de espera, e caso tivesse mesmo que ser, eu até nem queria, iminência de conflito. Parecendo adivinhar o que o esperava, o homem dentro da farda de segurança parou de mascar a pastilha olhou para o lado e numa postura de Calimero soltou a máxima de quem recebe ordens de cima, “oh menina, eu só faço o que me mandam, se entra aí alguém eu é que me lixo”. E podia jurar que no fim dessa explicação ainda houve espaço para um repuxar de saliva mas posso ter imaginado, afinal, já eram muitas as horas a fixar paredes e chão alcatifado. Com tais argumentos não tive mesmo alternativa senão levantar-me. As ordens eram claras e precisas, ali, naquele estabelecimento da carris onde sobejava a tensão e escasseavam as cadeiras, ninguém se podia sentar no chão.
Saltando todos os dramas reais do quotidiano inerentes à obtenção de um passe, que ligam os exasperados cidadãos uns aos outros criando laços de afectividade tão fortes como efémeros, e que permitem a senhoras de sessenta e cinco anos dissertar não só sobre o filho e o seu hobbie favorito: tunning de computadores mas também de forma detalhada sobre as suas intervenções cirúrgicas sem qualquer peso na consciência pelo mal que faz ouvir coisas que não nos interessam…foi agradável voltar à capital.

E que gostinho especial o de passear por uma rua Augusta cheia de turistas e estudantes erasmus, entusiasmados e sorridentes ao verem pela primeira vez um rapaz a tocar acordeon com um cãozinho ao ombro, tagarelando no seu sotaque estrangeiro enquanto flutuam despreocupados sobre a calçada, e dar por mim, no meio disto tudo, a desejar sem qualquer ponderação profunda que não se desista do TGV.