terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Instante

Os dias ainda não estavam esta confusão de chuva e vento quando me debrucei da tua varanda para olhar quem passava. O sol brilhava com uma alegria contagiante como se o Inverno nos quisesse mostrar que não sabe só ser cinzento. Na minha cabeça ecoavam ainda o vinho branco e as ideias soltas, sobras de uma noite feita de discussões com aspirações metafísicas. Não me lembro de ter olhado a tua rua e ter visto o homem parado junto do marco do correio, nem tão pouco este último. Não me lembro de ter reparado neste sem fim de carros alinhados, nem nos estacionamentos em segunda fila. Lembro-me apenas de recordar essa noite, do dia antes. De sorrir das nossas tentativas para arranjar uma justificação para tudo aquilo que não tem justificação possível, como fazemos sempre nesses serões feitos das nossas histórias e das dos outros, contadas como os velhos contam as doenças, numa espécie de competição da desgraça. Fico sempre convencida de que não há melhor que a terapia amadora para encher de motivação o espírito mais abatido, porque no meio de todos os nossos dramas de telenovela mexicana há sempre a estória de um amigo de um amigo que, coitado, está muito pior que todos nós juntos. Faz-nos falta a desgraça alheia, como fazem os episódios daquela série dos médicos em que há sempre alguém querido que morre de algo incurável, para nos lembrarmos de dar valor ao que temos e a esta vida, que levamos... Quando me debrucei da tua janela para ver quem passava, não estava este tempo revoltado e irritadiço que incomoda guarda-chuvas floridos e sopra papéis pelo ar, nem tão pouco me sentia assim, tão de acordo com a previsão meteorológica.